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A PROFECIA DO FUMANTE
PARTE III - Tabaco
Assim como o álcool, o médico Flavio Carneiro Hojaij explica que o tabaco promove e induz a alteração genética das células, o que pode levar à formação de um câncer. Ele compara o tabagismo, a dependência química e emocional do fumo, à uma poupança invertida. O pouco dinheiro guardado, com o passar dos anos, é bastante ampliado graças aos juros.
É assim com o cigarro. Aos vinte anos, fumar não deve trazer grandes consequências. Mas aos quarenta, o risco de doenças no pulmão ou no coração é muito maior. “Se o cigarro só faz mal e não dá nenhum bem-estar, ninguém ia ser fumante, né?”, questiona a psicóloga Mariangela Blois. Para ela, a definição de vício resume bem a prática: algo que traz um bem-estar imediato e compensa o mal que o indivíduo sabe que faz.
Rodrigo explica o que é a dependência em sua página no instagram "SOS Sobriedade", onde aborda temas relacionados a dependência química.
Apesar do tabagismo estar em queda globalmente, segundo a Organização Mundial da Saúde, ainda há 1,25 bilhão de fumantes. No Brasil, houve queda no consumo total, mas o sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis (Vigitel) aponta um fenômeno de aumento do fumo entre as mulheres brasileiras.
Rodrigo é um dos que conseguiram superar o vício em cigarro. Aos quarenta e quatro anos, é conselheiro terapêutico formado pela Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas. No momento desta reportagem, tem quase 130 mil inscritos no canal do Youtube, SOS Sobriedade, que segundo ele, serve como um trabalho de redução de danos para dependentes químicos e seus familiares.
“A minha tia fumava e eu ficava roubando o cigarro dela para sentir o cheiro, entendeu?”, conta Rodrigo. O conselheiro é da década de 1980, período em que o cigarro era símbolo de status e elegância. Os seus pais não fumavam, mas os amigos deles, sim, então o tabagismo sempre esteve ao redor dele. Começou o hábito aos doze até que, recém na fase adulta, teve uma crise de tosse seca e falta de ar que o obrigaram a ir ao médico. O profissional sugeriu que ele parasse de fumar imediatamente, porque os efeitos chegariam aos quarenta anos. Não obedeceu, mas nunca esqueceu.
Outra pessoa bastante impactada pelo cigarro foi Laudiceia. Como na época de Rodrigo, havia certa beleza em ser fumante e iniciou desde criança. Quase toda sua família fumava. O médico Flavio lembra que, antes da década de 1990, havia propagandas que relacionavam o tabaco ao sucesso, esportes e prazeres. No momento, ela está sem fumar há sete anos, mas manteve o hábito por outros vinte e dois.
Médico Flávio Hojaij durante entrevista
Rodrigo explica que o cigarro permaneceu em toda a sua rotina. Ao dirigir, antes de dormir, durante a madrugada, no horário de trabalho, antes e depois de jogar futebol. O hábito também prejudicava sua esposa e bens materiais. Rodrigo é casado com uma psicóloga que nunca reclamou da prática, mas sempre foi fumante passiva, ou seja, estava exposta à inalação da fumaça e substâncias do cigarro. O carro adquiria marcas de brasa caída e as bermudas furavam ao se queimarem.
No caso de Laudiceia, o fumo diário prejudicou sua respiração e desempenho físico, mas ela não enxergava outra maneira de inibir o estresse. O médico Flavio não vê qualquer benefício em fumar. De acordo com ele, enquanto o álcool pelo menos se transforma em energia, o tabaco não possui nem caloria e ainda desagrada os outros pelo cheiro.
Flávio explica os efeitos causados pelo o uso excessivo do tabaco.
Aos trinta e nove anos, Rodrigo lembrou das palavras do antigo médico e decidiu parar de fumar com medo de ter acidente vascular cerebral, quando há entupimento ou rompimento de vasos que levam sangue ao cérebro. A primeira tentativa, porém, não foi bem sucedida. O abandono do cigarro levou a ataques de ansiedade e um quadro depressivo, mas ele não estava sozinho na jornada. A esposa foi fundamental na indicação de um médico que receitou os remédios corretos. Interromper a prática sem qualquer tipo de suporte é quase impossível para fumantes de longa data, por isso Laucideia também buscou profissionais de saúde e grupos de apoio. Ela também contou com o apoio de familiares e da igreja que frequenta. Com isso, relata ter parado de fumar após quarenta dias, apesar das crises de abstinência que persistiram por alguns meses.
No começo, movimentos de levar a mão à boca e caçar cigarro no bolso eram automáticos, mas o costume parou com o tempo. “Eu mascava muito gengibre para distrair o paladar e bebia muita água gelada”, recomenda Rodrigo. O especialista Flavio Hojaij aponta que é importante ter saúde física para fortalecer a saúde mental, pois alguns estudos mostram que pessoas com integridade física e mental respondem melhor aos tratamentos de câncer. Felizmente, o conselheiro não chegou a desenvolver a doença.
De imediato, Rodrigo notou melhora na respiração, menos pinicação na garganta e tosse. O crossfit, exercício físico de alta intensidade, ajudou bastante a motivar e a combater a ansiedade. Mas muitas vezes, há algo anterior ao vício. “Você vai entendendo que a droga nem sempre vai ser a causa do problema das pessoas e sim uma consequência de todo um contexto que precisa ser mudado”, completa Rodrigo.