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MALVADO FAVORITO
Como o apreço de parte dos brasileiros pelo tabaco, álcool e jogos de azar impacta na saúde mental e financeira.
* Esta é uma reportagem produzida por Fernando Simonet, Gabriel Henrique e Jônathas Grunheidt - estudantes de jornalismo da UFSM/FW
A percepção de que a segurança pública piorou no Brasil tem crescido nos últimos anos, ainda que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstre queda contínua na taxa de homicídios a partir de 2018. Apesar disso, mais da metade da população atribui criminalidade e tráfico de drogas como um dos principais problemas do país de forma recorrente nas pesquisas do instituto AtlasIntel.
Mesmo assim, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou quase quarenta mil assassinatos em 2023, o que o mantém na liderança global em números absolutos. Há outras razões, porém, para considerar o Brasil uma nação violenta, como a agressão à saúde mental e financeira das pessoas. Nesse mesmo ano, o Datasus apontou uma taxa de 33 óbitos para cada cem mil habitantes em decorrência de bebidas alcoólicas, o que corresponde a aproximadamente setenta mil mortes. Na mesma direção, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) havia revelado em 2020 que o tabagismo, a dependência do consumo de tabaco, foi responsável por pouco mais de 160 mil óbitos no país.
Assim como os homicídios, a dependência desses dois produtos afeta a história de milhões de famílias brasileiras. Quem não conhece um familiar ou amigo passando por dificuldades em razão do vício que atire a primeira pedra, pois com certeza é ciente de pessoas que ao menos bebem, fumam ou apostam esporadicamente. Talvez, possa até ser esse alguém. Então, será que uma morte lenta e gradual ocasionada pelo consumo de produtos industriais não deve ter a mesma importância que um assassinato por arma de fogo?
Os jogos de azar são outro hábito que se estabeleceu como questão preocupante de saúde pública. Em setembro de 2024, o Banco Central destacou que 5 milhões de beneficiários do programa Bolsa Família destinaram mais de R$ 3 bilhões para as apostas. Para a mestre em psicologia clínica Mariangela Blois, a propaganda influencia bastante na normalização das apostas, já que a prática é associada ao esporte, atividade que ela classifica como saudável.
A psicóloga também afirma que muitas pessoas passam a enxergar esse tipo de jogo de forma inofensiva por estar na televisão. O movimento das apostas é semelhante aos períodos, no Brasil, em que empresas de cigarro e bebidas alcoólicas inundaram a programação com comerciais. Atualmente, os dois setores têm permissões mais tímidas para divulgação.
Para entender o agora e mudar o depois, porém, é preciso compreender o antes. Os jogos de azar desembarcaram no país em 1808 e foram um dos múltiplos legados que a corte portuguesa enraizou no país. Na época, o rei Dom João VI fugiu do imperador francês Napoleão Bonaparte por se recusar a aderir ao bloqueio de mercadorias inglesas. Da mesma forma, a visão mercadológica do tabaco brasileiro se deve à exportação iniciada por Portugal enquanto o Brasil ainda não era independente. A planta era usada pelos indígenas em seus rituais religiosos e eles costumam ter uma relação com a natureza que diverge da busca por lucro. O álcool percorre um caminho similar, já que as tribos indígenas tomavam bebidas alcoólicas como o cauim até serem apresentadas aos aguardentes e à cachaça. Essa última, segundo estudos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, surgiu da fermentação da cana-de-açúcar e está relacionada ao processo de escravização e extermínio dos povos nativos.
Em quinhentos anos, o Brasil passou por diversas mudanças no regime de governo. A colônia virou nação. A monarquia se tornou república. A república deu lugar à ditadura e, por último, à democracia. No decorrer desse tempo, os três setores sofreram restrições e afrouxamentos no modo de circulação, mas nunca deixaram de estar presentes. Dados da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), do Índice de Potencial de Consumo e do banco XP Investimentos mostram a magnitude econômica desses mercados.
Para além desses números que abastecem o cofre de grandes empresas, existe o impacto nas famílias, nos casais e nas amizades. A reportagem consultou especialistas para entender por que, mesmo cientes dos malefícios, alguns mantêm o consumo ou o vício nesses produtos. Também foram ouvidas pessoas que, diariamente, buscam enfrentar as práticas. Para embarcar na jornada de cada uma delas, primeiro é preciso entender o que significa ser um viciado.
A psicologa Mariangela explica os aspectos do vício e como funciona a mente do individuo viciado